Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

É preciso treinar esse algoz algorítmico para nos agradar direito

Quem disse que o sabichão digital conhece o que realmente achamos gostoso? Quem manda nos meus ASMRs sou eu

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O croc-croc de pedrinhas de gelo sendo mastigadas em êxtase. O fluf-fluf de carícias sôfregas em superfícies felpudas. O splish-splosh de gelecas escorrendo perfeitamente gosmentas diante de milhões de seguidores. E um sussurrar quase inaudível, amplificado por microfoninhos bebê.

Basta que eu dê mole por um segundo, clicando distraída e de unha grande em algum link, para que o algoritmo das redes sociais cisme de me agradar, exibindo conteúdos dessa peculiar natureza.

Na ilustração de Marcelo Martinez, uma jovem mulher sussurra em um pequeno microfone
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 6 de maio de 2024 - Folhapress

São as tais provocações sensoriais que conduzem não apenas ao relaxamento, mas sobretudo a perfis que monetizam o nosso desassossego cotidiano. No entanto, cá entre nós: quem foi que disse que o sabichão digital conhece o que eu ou você realmente achamos gostosinho? Ora, no mundo das respostas meridianas autônomas, quem manda nos meus ASMRs sou eu.

Ato reflexo, acredito que seja preciso treinar esse algoz algorítmico para nos agradar direito. E se pingar conta-gotas e estourar plástico-bolha também não são a sua onda cerebral, fiz aqui uma listinha do que eu mesma acho gratificante. Se quiser, pode colar. Uma vez que tudo que lemos e digitamos está sendo vigiado, fica a isca.

A começar pelo adjetivo oficial, usado para descrever todo esse filão de arrepios e formigamentos, que me soa burocrático e até desagradável. Mané "satisfying", o quê: "deleitoso" é muito mais satisfatório. Leia em voz alta, saboreando. D-e-l-e-i-t-o-s-o. Duvido que já não lhe suba uma sensação boa.

Seguido por: fotos de gargalhadas que provoquem rugas na testa. Dentes em tons naturais de branco. Pratos bonitos de feijão com arroz. Pias já sem nenhuma loucinha a lavar. Cabelos desgrenhados pelo vento. Cachorros abanando o rabo feito um ventilador. Gatos fazendo pãozinho em edredons macios. Ornitorrincos filhotes. Bolos saídos do forno em assadeiras redondas. Pés recebendo o carinho de pantufas, após descalçar sapatos altos de bico fino. Café coado (uma pena que algoritmo não sinta cheiro). Presente fora do aniversário. Pele arrancada do dedo sem dor. Etiqueta que descola numa única puxada. Semente de maria-sem-vergonha que você aperta e explode. Sotaque do interiorrr. Calcinha desenfiada da bunda. Saias dançando lambada. Crases bem postas. Caligrafia bonita. Escrever "eu te amo" nas costas de alguém, com a ponta dos dedos, e esse alguém entender.

(Aqui, deixo um espaço para o seu próprio treinamento de algoritmo: capriche...) E se sobrar alguma linha, vá lá. Cravos sendo espremidos e sofás deleitosamente higienizados a vapor.

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